Os Desafios Apologéticos da Atualidade

11/02/2013 10:44

 

Ser apologista não é uma tarefa fácil, aliás, nunca foi e a história da igreja está ai para nos mostrar os desafios enfrentados por aqueles que nos antecederam. Antes de qualquer coisa, porém, convém explicar o que é um apologista. Ora um apologista, segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa é alguém que faz apologia e apologia, segundo o mesmo Dicionário é um discurso ou escrito em defesa, justificativa ou exaltação a (alguém ou algo). Logo, um apologista cristão e/ou do Evangelho é alguém que defende as doutrinas cristãs evangélicas.  A apologia cristã tem como objetivo defender a fé cristã ante as ameaças que ela sofre.  Quando a fé é defendida, seja por meio do discurso, da escrita ou mesmo da própria vida ela se mostra verdadeira para os de fora que terão a oportunidade de saber sobre o evangelho através de uma ótica bíblica, não moralista, não legalista e isenta de quaisquer falsos ensinos que venham ofuscar a mensagem.  O apologista cristão, portanto, é aquele que zela ou defende a verdade do evangelho segundo a sã doutrina da fé, conforme a tradição[1]. Mas para que ninguém pense que minha intenção é afirmar que apenas alguns podem fazer apologia, quero mostrar que esse papel deveria ser de todos aqueles que creem verdadeiramente em Cristo Jesus segundo Sua revelação nas Escrituras; claro, com critérios bíblicos ortodoxos e práticos.

Em 1Tm 6. 3-16 está escrito: “Se alguém ensina alguma outra doutrina, e se não conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo, e nada sabe, mas delira acerca de questões e contendas de palavras, das quais nascem invejas, porfias, blasfêmias, ruins suspeitas, contendas de homens corruptos de entendimento, e privados da verdade, cuidando que a piedade seja causa de ganho; aparta-te dos tais. Mas é grande ganho a piedade com contentamento. Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.
Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão. Milita a boa milícia da fé, toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas. Mando-te diante de Deus, que todas as coisas vivifica, e de Cristo Jesus, que diante de Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão, que guardes este mandamento sem mácula e repreensão, até à aparição de nosso Senhor Jesus Cristo; A qual a seu tempo mostrará o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores; Aquele que tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver, ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém.”

Podemos extrair do texto pelo menos três lições:

  1. No versículo 11 Paulo insta que Timóteo “fuja destas coisas” – coisas que estão descritas dos versículos 3 ao 10 e que faz alusão ao uso do evangelho como meio de barganha e lucro financeiro, a qual o apostolo chama logo no início de “outra doutrina”, ou seja, um ensino herético, estranho à tradição (àquilo que foi transmitido ou vinha sendo transmitido como entendimento da Revelação, mas que está sofrendo alteração). Paulo teme que seu filho na fé seja de alguma maneira influenciado por doutrinas estranhas e lhes dá conselhos acerca dos perigos que cercam a verdadeira mensagem do evangelho.
  2. Paulo pede que Timóteo pratique “apologia” através de ações cristãs, tais como justiça, piedade, fé, amor, constância e mansidão (v.11). Ora, uma apologia que se limita apenas no campo da teoria com defesas enérgicas e eloquentes acerca de quaisquer assuntos da fé cristã sem prática cristã, sem testemunho de vida para com os de fora, é hipocrisia. Portanto faz-se necessário que o crente em Jesus seja uma pessoa que busque as virtudes citadas acima. De todas as qualidades elencadas pelo apostolo, pelo menos uma me chama a atenção: a constância. O contexto do texto aponta o perigo das falsas doutrinas, daí a necessidade do cristão ser constante naquilo que ele crer. Ser constante é não ceder às novidades que gravitam em torno da fé evangélica, por exemplo.
  3. Paulo aconselha que Timóteo seja um combatente, um militante da fé (v.12). Ou seja, deve haver convicção ortodoxa. Houve por parte de Timóteo “boa confissão”, e essa “boa confissão” também foi feita por Jesus diante de Pôncio Pilatos[2] (vv.12-13). A ideia do texto é que a mesma fé professada por Jesus e ensinada por ele foi a fé professada por Timóteo – temos aqui uma referencia de uma tradição.  

Portanto, o contexto desta passagem aponta os perigos dessa “outra doutrina” e a necessidade de se permanecer numa apologia prática e ortodoxa, defendendo os bons costumes através de um testemunho regado por justiça, piedade, fé, amor, constância e mansidão, bem como ratificar a boa confissão por meio de um combate onde a fé é o alvo da defesa.

Em Judas temos outro texto onde o escritor solicita que os “chamados” batalhem pela fé que lhes fora dada:  “Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos. Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo.”
Judas 1:3-4

Perceba que o objetivo de “batalhar pela fé” é por causa daqueles que se “introduziram [...]” para “converter em dissolução a graça de Deus [...]”.  Outro detalhe importante é que a fé que está em jogo é a fé dada para a salvação, ou seja, uma fé que não tem sua origem no homem, mas em Jesus, é uma fé externa “fé que uma vez foi dada”. Em Hebreus 12.2 somos informados que Jesus é o autor da fé.

SER CRENTE É SER APOLOGISTA

Portanto é tarefa de todos aqueles que receberam tal fé combater por ela, defende-la, ou seja, fazer apologia à fé. O oposto é ser omisso e ser conivente com as heresias que circundam o evangelho da graça. Mas pra ser um apologista, além desses critérios citados acima requer também conhecimento daquilo que se defende bem como daquilo que a ameaça. Muitos podem entender que estão defendendo a fé quando falam em defesa desses que estão pervertendo o evangelho. Ora, não nos esqueçamos de que a fé em questão é aquela que foi transmitida, logo uma fé que está essencialmente ligada à tradição. O que essas pessoas defendem são doutrinas novas, oriundas de líderes que foram (e estão sendo) infelizes em suas leituras bíblicas. São revelações que fogem do espirito do evangelho, são novidades sem fundamento cristológico, escriturístico e teológico. São teologias sem raízes, são discursos psicológicos com base numa programação neorolinguística (PNL) que influencia, mas não convence, que atrai, mas não converte, que lota os templos, mas não sacia a alma. Isto posto, afirmo: cada crente tem a responsabilidade diante de Deus por tudo o que absorve como doutrina, uma vez que a Bíblia contem o caráter da Pregação (kerigma) verdadeira, sendo portanto enganados por esses diabos que se transformam em anjos de luz e ministros de justiça por uma questão de negligencia em seu combate de fé. Não estão combatendo como deveriam. Assim sendo, não cabe a desculpa de que os líderes é que estão lhes enganando. Cada igreja tem o pastor que merece e o oposto também é verdadeiro. Jesus ensina em Mt 23.15 que é passível de condenação quem engana e quem é enganado: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.”

CONHECER PARA COMBATER

A igreja sempre teve diante de si o desafio de defender a fé. Muitas ideias e doutrinas surgiram em torno daqueles irmãos da Primeira Hora, tais como o Gnosticismo, o Montanismo, o Maniqueísmo, o Arianismo, o Nestorianismo, o Pelagianismo e outras heresias foram combatidas no início da fé cristã com muito esforço e com a ajuda de concílios e credos. Era necessário que os combatentes conhecessem as doutrinas opostas ao cristianismo para refutá-las. A defesa da fé rendeu ao cristianismo algumas das mais notáveis obras teológicas do segundo século.  Não estou querendo dizer que todo cristão tenha que conhecer tais doutrinas, mas todo cristão precisa saber, no mínimo o básico da fé cristã para não serem enganados. É função do pastor esclarecer suas ovelhas e lhes dar respaldo bíblico teológico diante da realidade ameaçadora que a igreja tem vivido. Costumo dizer que o cajado pastoral tem a função de conduzir o rebanho e espantar os lobos. E o cajado é a Palavra de Deus. Uma igreja que não tem sensibilidade para ler a realidade à sua volta é uma igreja passível de engano. Portanto saber dos principais perigos que nos rondam é fundamental.          

Fala-se muito sobre Teologia da Prosperidade, porém há outros perigos que vão entrando “sutilmente”, pois enquanto se ataca com veemência uma heresia outras vão conquistando os corações dos crentes, como o liberalismo teológico e o teísmo aberto, por exemplo. Poucos são os que estão preparados para combater tais doutrinas. Seus representantes são colocados acima do Bem e do Mal e, como numa espécie de “Inconsciente Coletivo” as pessoas o idolatram sem perceberem o erro no qual estão incorrendo. 

CONSEQUENCIAS DE SER UM APOLOGISTA

Qualquer ataque a uma doutrina pregada por um líder em evidencia é motivo de despertar o ódio da turba. Portanto, a consequência de ser uma apologista é ter que lidar com os rótulos que todos os dias são lançados sobre si: frio, crítico e rebelde são os mais utilizados por eles (esses adjetivos já me são tão comuns que ouço como elogios – risos) quando não apelam para os xingamentos e praguejamentos. Muitas vezes não temos nossos textos bem compreendidos (falta a prática básica de uma boa interpretação literária), enfim vale tudo para defender os hereges que são atacados por aqueles que se empenham em defender a fé.

Tenho dito que quem dá a cara para bater tem que estar disposto a apanhar, e, esta verdade serve para os dois lados. Para os que andam pervertendo o evangelho como para os que defendem. Os que pervertem estão dando a cara pra bater, pois estão assumindo total responsabilidade por enganar as pessoas usando textos fora de contextos e sendo seletivos em suas leituras bíblicas com o fim de manter o giro de seu capital e seu “rebanho” preso em seus ensinos de honra e maldições, etc.. por outro lado, os apologistas também estão dando a cara para bater e os primeiros a fazer isso são os fãs de tais ídolos. Já dizia Lutero: a paz se possível, mas a verdade a qualquer custo. Fazer apologia é também ser mal compreendido, uma vez que somos vistos como aqueles que atacam aqueles que estão “fazendo a obra de Deus”. Somos aconselhados a deixar pra lá, não tocar no ungido, quando não somos acusados de estar falando porque não fazemos nada. Há ainda os que dizem que nossos textos e discursos confundem e geram confusão com os que estão de fora, ou seja, nós é que estamos sendo responsáveis pelo escândalo. Ora todas essas acusações e conselhos me fazem pensar apenas numa coisa: e se os apologistas dos primeiros séculos não tivessem combatido? E se os reformadores se calassem? Enfim, não podemos ouvir tais conselhos e nos abalarmos com as acusações e rótulos.

Se olharmos para as Escrituras, veremos que todo o NT (as cartas principalmente) nasceu de uma apologética por parte dos seus escritores. O caráter é essencialmente apologético. E, assim como eles sofreram com as acusações por defenderem a sã doutrina do evangelho, é mister que sofreremos também por não cedermos às novidades.

Enquanto vivermos precisamos cumprir o nosso papel e fazer ecoar uma voz profética de denúncia das heresias e anuncio do verdadeiro evangelho de Deus revelado em Jesus. Do contrário, as pedras clamarão e a jumenta falará em nosso lugar para calar os falsos profetas.

 

Sempre em Cristo... Autor e Consumador da fé.

Joacy Júnior.

 


[1] A palavra tradição significa literalmente “aquilo que foi transmitido ou entregue”, “ato de transmitir ou entregar”. Faço, portanto alusão a uma “tra-dito”, um legado dos apóstolos pelo qual a igreja era orientada e dirigida para uma interpretação correta das Escrituras. A tradição como meio pela qual a igreja garantiria sua permanência nos ensinos dos apóstolos em vez de abraçar interpretações idiossincráticas das Escrituras, como comumente se vê hoje em dia.

[2] Provavelmente uma alusão à passagem que está em Jo. 18.37

 

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